Da Filosofia à Publicidade: a jornada multifacetada de Antonio Ferreira da Costa Neto
Formado em Filosofia pela UFRGS, o escritor e publicitário revela como o pensamento crítico guiou sua trajetória, das crônicas e do teatro às campanhas de marketing político.
Antonio Ferreira da Costa Neto é uma daquelas pessoas que parecem ter vivido várias vidas em uma só. Formado em Filosofia pela UFRGS em 1980, construiu uma trajetória singular. Das crônicas publicadas ao lado de Luis Fernando Veríssimo à atuação no teatro e na publicidade, passando ainda pelo marketing político após a redemocratização do Brasil, Antonio é a prova de que uma formação em Filosofia pode abrir portas para diversos caminhos.
Nesta entrevista, ele conta como foi iniciar a vida profissional escrevendo crônicas para jornais, o ingresso no mercado publicitário, as experiências em teatro e televisão, além de compartilhar reflexões sobre criatividade, redes sociais e inteligência artificial. Mesmo que hoje não se considere um filósofo, Antonio demonstra como o pensamento crítico e a expressão clara, aprendidos na Filosofia, influenciaram cada passo de sua carreira.
1. Quando você fez a escolha de começar a atuar em comunicação/publicidade?
Essa escolha fiz logo após me formar, em 1980. Fiz porque precisava trabalhar. Eu conhecia o Luis Fernando Veríssimo do Quadrão, um suplemento de humor do Jornal Correio do Povo. Eu disse a ele que queria trabalhar. Já tinha tentado dar aulas em pequenos cursos de pré-vestibular, mas sentia que aquele não seria o meu caminho.
O Veríssimo sabia que eu gostava de escrever e me disse: “o lugar que mais bem paga o texto é a publicidade”. Então, ele me convidou para fazer um estágio na agência em que era diretor de criação. Foi assim que começou a minha carreira de redator publicitário.
2. Você acha que sua formação inicial em Filosofia contribuiu na sua vida profissional até hoje?
Completamente. A Filosofia ensina a pensar e a expressar esses pensamentos. Essa é a chave fundamental para você ser publicitário, palestrante ou escritor. Estudar Filosofia foi a decisão mais acertada que tomei na época em que estava decidindo o que fazer da minha vida pessoal e profissional.
3. Atualmente você se dedica ao marketing político e a campanhas políticas. Como se aproximou desse campo?
Essa aproximação veio naturalmente. Em 1985, no início da redemocratização do país, publicitários e produtoras de filmes publicitários começaram a ser procurados por políticos para fazer campanhas eleitorais. A primeira campanha que fiz foi para o Tasso Jereissati, candidato ao governo do Ceará. As campanhas tinham muitos minutos de televisão — a do Tasso, por exemplo, eram quase 20 minutos diários de TV e rádio. Publicitários disputavam esse espaço com jornalistas. Porém, tratava-se de propaganda política, não de telejornalismo. E publicitários fazem propaganda melhor do que jornalistas.
Para mim, escrever programas políticos era quase como escrever ficção, porque propaganda política é ficção baseada em fatos mais ou menos reais. Edward Bernays, sobrinho de Freud, criou um conceito chamado Fabricação de Consentimentos, que passou a ser a essência do marketing político e do marketing em geral — um eufemismo que ameniza a ideia de manipulação das massas. É disso que trata a propaganda política: um polo ideológico tenta manipular o eleitorado a seu favor, enquanto o outro, inevitavelmente, precisa fazer o inverso para equilibrar forças. Propaganda política é a disputa de narrativas. Isso faz alguém lembrar do Sofismo?
Levando esse raciocínio para a propaganda privada, eu diria que a Pepsi Cola disputa com a Coca-Cola o lugar de melhor refrigerante do mundo. A melhor narrativa, entre outros fatores, determina o vencedor.
4. Este é um trabalho (campanhas políticas e publicidade) mais criativo. Quais suas considerações sobre essa ‘criatividade’ ser incorporada ao uso de ferramentas de inteligência artificial?
A Inteligência Artificial (IA) é um processo de automação, portanto, com o mínimo de participação humana. Mas ela tem recursos para imitar a criatividade, que é um fator não tecnológico, puramente humano. A criatividade, grosso modo, usa informações objetivas para criar conceitos e ideias subjetivas. Essas informações objetivas são memórias, experiências, que mais ou menos equivalem a dados ou sequências de símbolos que representam variáveis quantitativas ou qualitativas.
A IA é uma inteligência sem alma, que já está atuando em processos criativos de publicidade e comunicação, mas não substitui o processo criativo inteiramente.
Trazendo isso para a publicidade, lembro de um exemplo de anúncio que a IA, pelo menos por enquanto, jamais conseguiria criar. Era uma propaganda de um banco, para a visita do papa ao Brasil. Na foto, o papa estava no papamóvel, protegido por um vidro à prova de balas, acenando para a multidão. A frase dizia: “Nem o papa entrega tudo nas mãos de Deus.” Embaixo, o texto explicava que o papamóvel era blindado e estava assegurado por esse banco.
A inteligência artificial, hoje, não conseguiria criar algo com esse toque de humor e ousadia.
5. Na sua opinião, as redes sociais podem ser a vitrine de toda essa ‘criatividade’? E isso traz mais liberdade para quem trabalha com comunicação?
As redes sociais são, sim, uma vitrine, mas não de forma orgânica, por mérito próprio. Elas são uma vitrine planejada, porque, no fundo, funcionam como veículos de mídia. Nas redes sociais, o internauta é ao mesmo tempo a grade de programação, o conteúdo, o espectador e o consumidor. Ou seja, elas equivalem a uma emissora de TV, ao mesmo tempo que a novela, o telejornalismo, a partida de futebol, o programa de auditório etc.
Os internautas produzem todo esse conteúdo e também o consomem. Para o Mark Zuckerberg, nós — internautas — somos produtores de conteúdo e consumidores, nada mais.
Sobre a liberdade para quem trabalha com comunicação, eu diria que não, do ponto de vista profissional, porque a automação cortou a poesia, enxugou a alma da criatividade, excluindo a nossa espontaneidade. Mas não gosto de me queixar dizendo que antigamente era melhor. No meu caso particular, não profissionalmente falando, as redes sociais me possibilitaram escrever muito mais na minha página do Instagram, por exemplo. Não sei se isso irá resultar em algo além de um post, mas me sinto bem ao sentar em frente ao computador e escrever algo. Surpreendentemente, as pessoas leem.
6. Ainda se considera um filósofo por formação? E se não, o que forma um filósofo?
Eu sempre digo que estudei Filosofia, mas não me considero um filósofo. Filósofo é algo bem maior, mais profundo e sofisticado. Faltou-me coragem para ser filósofo. Optei por uma profissão que me desse um sustento imediato, como a publicidade. Levei a Filosofia em paralelo, assim como o teatro, a televisão e a literatura.
Um filósofo precisa ser um eterno estudante de filosofia, psicologia, psicanálise, sociologia, história, política, arte, literatura. Deve dedicar a vida ao pensar e ao sentir de forma sistemática, usando a pesquisa como ferramenta. Gosto muito de Filosofia, mas me falta pesquisa sistemática, me falta colocá-la no centro da minha vida. A vida me levou para outro lugar. Por isso, esse convite de vocês me tocou tanto. Dou esta entrevista com emoção e um grande senso de gratidão.
7. Quais conselhos pode deixar aos estudantes (de qualquer área)?
O meu conselho talvez seja meio piegas, mas lá vai: estudem algo que vocês amem, algo que os faça se sentirem vivos. Algo que dê tesão. A vida se encarregará de fazer o restante, seja lá qual destino for.
8. Quais são seus planos para o futuro? Você tem livros publicados? Tem planos de voltar a escrever?
Não tenho planos muito nobres para o futuro. Talvez o meu maior plano seja conquistar a independência financeira. Sem ela, possivelmente, terei que continuar fazendo coisas que sei fazer bem, sem que necessariamente eu as ame.
Com independência financeira, gostaria de escrever livros bons, pois os que escrevi não tiveram a paixão necessária para que o resultado fosse melhor. Gostaria de escrever peças de teatro, que é a minha grande paixão. Gostaria de conhecer a mulher da minha vida e viajar pelo mundo com ela. Gostaria de ver meus filhos felizes, realizados e saudáveis, mas isso não são exatamente planos — são apenas desejos.
O meu primeiro livro se chama O Mais Vendido, publicado pela L&PM. Eu tinha 22 anos e são crônicas publicadas na coluna do Veríssimo, além de trechos de peças que escrevi para o Grupo Cem Modos (que mais tarde foi para a TV como TV Colosso). Se fosse escrever esse livro de novo, mudaria tudo, fazendo uma curadoria melhor das crônicas e tendo mais cuidado ao finalizá-lo. Minha pressa prejudicou o critério de qualidade.
O segundo livro se chama Mãe na Zona, publicado pela Editora Matrix. Esse foi um pouquinho melhor, mas, novamente, a ansiedade me fez publicá-lo sem trabalhar o texto como deveria. Poderia ter sido um bom livro.
Ao responder essa pergunta, percebo que um possível plano seria escrever um livro bom. Não prometo, mas posso tentar fazer isso em breve.
A jornada de Antonio Ferreira da Costa Neto mostra que, muitas vezes, o essencial é encontrar aquilo que nos faz vibrar — seja em um curso de graduação, na escrita de crônicas, na criação publicitária ou em campanhas políticas. E, para ele, ter a base da Filosofia foi determinante para desenvolver pensamento crítico, expressão de ideias e, principalmente, a capacidade de se adaptar a diferentes áreas.
Acompanhe mais conteúdos e entrevistas em nossa newsletter!